Dos remédios nascem os males...
"No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os maus políticos têm medo do passado."
Em Politica há pessoas tão inábeis que suas ausências preenchem lacunas...
Um dos dois baianos que integram a comissão de 38 juristas responsáveis por modernizar o Código Civil, o juiz e professor Pablo Stolze destaca a amplitude e importância desta reforma. “A Lei Civil é a lei de sua vida”, explica ele, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE. “Você pode passar a vida inteira sem incorrer em nenhuma violação do Código Penal, mas dificilmente vai viver sem dialogar com o Código Civil”.
Segundo Stolze - que será uma dos palestrantes da II Conferência Estadual da Jovem Advocacia Baiana, que acontece desta quinta-feira (5) a sábado (7), no Centro de Convenções Salvador - pouco mais de mil dos 2.046 artigos foram modificados pela comissão de juristas no anteprojeto que agora será votado pelo Congresso Nacional. O documento prevê mudanças importantes na área de Direito da Família, Direito Digital e Direito dos Animais, só para citar algumas delas. Entenda o que muda com a reforma na entrevista que segue.
O sr. afirmou recentemente que a Reforma do Código Civil é o tema mais importante do Direito Privado na atualidade. Por que essa reforma é tão importante?
O Direito Civil acompanha a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte. Eu diria que a Lei Civil é a lei de sua vida. Você pode passar a vida inteira sem incorrer em nenhuma violação do Código Penal, mas dificilmente vai viver sem, de alguma maneira, dialogar com o Código Civil, porque você se casa, celebra contrato, adquire bens. Ou seja, o Direito Civil faz parte da vida do cidadão brasileiro.
O sr. já afirmou também que se a reforma for aprovada como está, a impressão é de que teremos um novo Código Civil. Ele será reformulado a este ponto?
Alguns afirmam que o código tem muito pouco tempo, tem só 20 anos, e [questionam] por que fazer uma reforma dessa magnitude. Nos últimos 20 anos, muita coisa aconteceu. As redes sociais são um indicativo disso. E não é só isso: o Código Civil atual é fruto de um projeto antigo. Por isso, essa reforma realmente é muito importante. Tecnicamente, não se trata de um novo código, porque é uma reforma do mesmo código. Mas a dimensão é significativa. De maneira que, sob muitos aspectos, você vai ter a sensação de que é um novo Código Civil.
O Código Civil tem pouco mais de 2 mil artigos. Quantos devem ser alterados?
O código tem 2.046 artigos, e por volta de mil e poucos devem ser modificados. É bom frisar que o anteprojeto vai ao Congresso. O Parlamento pode obviamente adotar o anteprojeto integralmente, o que é improvável. O Congresso vai fazer as suas modificações e um número menor de artigos pode ser aprovado.
A reforma corre o risco de ser desfigurada no Congresso?
É um risco que faz parte da democracia. Ele vai ser discutido nas duas Casas Legislativas, mas é preciso que as pessoas compreendam que a lei atual precisa dessa reforma. Eu costumo dar um exemplo. Eu garanto que os últimos contratos que você celebrou foram pela via eletrônica, até para chamar um transporte via aplicativo. O código atual não tem uma vírgula sobre isso. Precisamos atualizar nossa lei, isso é uma realidade.
O sr. acredita numa tramitação rápida no Congresso?
A comissão do Senado formada por juristas concluiu o anteprojeto e ele foi entregue oficialmente ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A gente não pode estabelecer uma data, mas como o próprio presidente do Senado está apresentando o projeto de lei, eu creio que essa tramitação ocorrerá a bom termo. Será algo que vai ter andamento no Congresso Nacional.
Além de juiz, o sr. é professor universitário e vem alertando os alunos sobre a importância dessas mudanças. Muitas estarão nos próximos concursos públicos? É preciso esperar o projeto ser aprovado para se atualizar?
Eu falo isso para eles semanalmente. Aquele que resolver esperar o projeto ser aprovado pode ter um grande susto, como aconteceu quando o Código Civil de 2002 entrou em vigor. A gente não está falando de uma alteração de qualquer lei. Estamos falando de uma alteração ampla do Código Civil. De maneira que estar se atualizando agora é o melhor investimento acadêmico e profissional que o estudante de Direito pode fazer.
O Brasil tem o novo marco legal da internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, que regulamentam o mundo digital. Ainda assim, haverá muitas mudanças no código em relação a isso?
A reforma vai consagrar um livro de Direito Digital que vai muito além da própria LGPD, que vai continuar tendo a sua importância. Vou exemplificar com a regulamentação dos contratos celebrados pela via eletrônica. Falo da regulamentação dos smarts contracts – aquele contrato que você celebra com a própria inteligência artificial, com a própria máquina, como o contrato que você celebra no aplicativo de transporte. Esse livro de Direito Digital faz parte da vida, das expectativas dos brasileiros. A consagração dos chamados neurodireitos, que são direitos que visam a resguardar a nossa integridade, nossa rigidez cerebral, também. As leis atuais não tratam dessas questões com essa força e o projeto se preocupa com isso.
Há uma onda de fake news em torno da reforma do Código Civil. Já vi notícias sobre liberação de poligamia, retirada de poder dos pais e autonomia infantil para mudança de sexo, por exemplo. Como lidar com isso?
Eu tive que, um dia desses, explicar à minha mãe, que me ligou preocupada com uma notícia inverídica em torno do código. A reforma do Código Civil não trata de poligamia, não trata de zoofilia, não há espaço nenhum para isso. O código não autoriza adolescentes a mudarem de sexo de forma nenhuma. Quando o código fala que existe uma autonomia progressiva do ser humano, isso é algo óbvio. Porque quando a pessoa nasce, pelo código atual, ela é absolutamente incapaz e, na medida em que cresce, vai galgando e adquirindo capacidade até que chegando aos 18 anos se torna plenamente capaz. Ou seja, já existe essa autonomia progressiva. Isso não tem absolutamente nada a ver com autorização para mudança de sexo.
Dos artigos que estão sendo reformados, o sr. vê algum que desperte mais polêmica ou seja mais delicado?
A parte de família sempre desperta mais polêmica e discussões. Eu diria que essa é uma parte que tem gerado dúvidas. Outra discussão muito interessante que há hoje e também é necessária gira em torno do Direito Animal. Recentemente, um animal de estimação, um pet, morreu no transporte aéreo. O Brasil todo discutiu o problema, foi uma comoção nacional. O código se preocupa com aspectos de Direito Animal porque a jurisprudência já faz isso. Você tem, por exemplo, um dispositivo no anteprojeto de reforma do Código Civil, que diz o seguinte: a afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno familiar da pessoa. Veja, essa norma não diz nada demais. Ela menciona que quando, por exemplo, você que tem um pet e projeta em favor dele proteção e cuidado, isso é expressão de um direito seu da personalidade. Isso é importante e não tem absolutamente nada a ver com zoofilia.
Voltando às questões da família, quais são os pontos que mais devem despertar a atenção?
Bom, na parte de família, a união estável e o casamento sempre despertam interesse. E uma mudança muito significativa no campo do casamento é a alteração da redação normativa do código para estabelecer que o casamento ocorre entre duas pessoas e não necessariamente entre marido e esposa. Com esta expressão, ‘duas pessoas’, estamos alcançando dois objetivos. Primeiro, estabelece que o casamento é entre duas partes, não há poligamia. E segundo, está contemplando com absoluta justiça o que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) já sinalizou, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também, que é a possibilidade do casamento homoafetivo, que é albergado no anteprojeto.
A expressão ‘duas pessoas’ é também uma forma de não despertar tanta controvérsia?
Eu diria que essa expressão é mais inclusiva, isonômica e vou dizer porquê: se o anteprojeto abrisse um título separado do casamento homoafetivo, estaria discriminando. A regra tem que ser igual para todo mundo. Quando você fala ‘duas pessoas’, você abraça todas as pessoas, independentemente de se tratar de um casamento homoafetivo ou não. Essa não é propriamente uma opção, digamos, tímida. É uma opção isonômica, inclusiva.
Já vi alguns integrantes da comissão afirmarem que a proteção aos mais vulneráveis deve ser uma prioridade da reforma. Como se dará isso?
Isso é muito importante, e faço um destaque para as pessoas com deficiência. Tem artigos na parte geral do anteprojeto que se preocupam em estabelecer que a deficiência não é causa de incapacidade civil, algo que dialoga com a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção de Nova York. Houve uma grande preocupação em relação a isso no anteprojeto.
Como foi formada a comissão de juristas responsável pela reforma? A diversidade de perfis foi critério?
A comissão é formada por 38 membros e é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, e corregedor nacional de Justiça. Ele é um jurista habilidosíssimo, competentíssimo. Ele preside a comissão e é ladeado por dois relatores-gerais - o professor Flávio Tartuce e a professora Rosa Nery. Salomão compôs uma comissão com juristas do País inteiro e, quero frisar, inclusive com participação de mulheres. É a primeira vez na história do Direito Civil brasileiro que as mulheres participam da reforma do Código Civil. Isso nunca aconteceu e, por isso, é muito significativo. Aqui da Bahia, foram dois juristas convidados. Eu tive essa honra junto com o professor e vereador Edvaldo Brito.
Falamos dos animais, das famílias. Teria outros pontos que o sr. destacaria como de grande importância nessa reforma?
Um ponto que, para mim, tem uma importância muito grande na parte de família é a alteração de um regramento que existe hoje, a Lei 8.560, de 1992, que cuida do reconhecimento de filho. Dados da Arpen [Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia] mostram que há um número muito grande de crianças no País sem o registro do nome do pai. Segundo esses dados, em 2023, dos 12,5 milhões de nascidos no Brasil, cerca de 162 mil tinham pais ausentes. Como é que funciona hoje? O hospital expede um documento informando que a criança nasceu viva e, com base nisso, é feito o registro em nome da mãe. Suponha que a mãe tem alta do hospital e vai ao cartório. Ela não pode lançar no registro o nome do pai porque ele não está presente. De acordo com a Lei 8.560, esse suposto pai notificado, se ele vai ao cartório e registra, resolveu a questão. Mas se ele não comparecer, essas peças vão ao Ministério Público, eventualmente vão à Defensoria, e é ajuizada uma ação de investigação de paternidade para esse suposto pai, que pode durar anos. Durante anos, essa mãe vai carregar o peso de uma afiliação não reconhecida. O anteprojeto corrige isso. Notificado pessoalmente o suposto pai, se ele não comparecer – ou, comparecendo, se recusar a fazer o exame de DNA –, o nome dele é lançado imediatamente no registro. Vai caber a ele contestar a paternidade. Olha a preocupação com as mães, com as mulheres, porque são elas que mais sofrem com a violência de não ter essa paternidade reconhecida. Com a mudança, você vai tirar esse peso dessas mães e desses filhos. Para mim, é um dos pontos altos da reforma.
Fonte: https://atarde.com.br
Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE
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