Dos remédios nascem os males...
"No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os maus políticos têm medo do passado."
Em Politica há pessoas tão inábeis que suas ausências preenchem lacunas...
Em entrevista coletiva concedida na tarde desta segunda-feira (26), na sede do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), pesquisadores, especialistas e representantes do poder público anunciaram a descoberta de um sítio arqueológico que pode abrigar o maior cemitério de escravizados da América Latina. Durante escavações no estacionamento da Pupileira, na Avenida Joana Angélica, foram localizados vestígios de ossadas humanas, que remontam à existência do cemitério, possivelmente criado no século XVIII, que funcionou por aproximadamente 150 anos, e que era administrado inicialmente pela Câmara Municipal e depois pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
Segundo a pesquisadora, arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), estima-se que cerca de 100 mil pessoas possam estar enterradas no local. Após experiência de pesquisa no Pará, Olivieri retornou para Salvador instigada a descobrir se havia um sítio semelhante na cidade e durante suas pesquisas, identificou registros do cemitério do Campo da Pólvora, até então desconhecido por muitos pesquisadores.
“Em um mês já havia conseguido reunir um número considerável de documentos, começando por mapas e plantas de Salvador, do século XVIII, com indicação da localização do cemitério e delimitação espacial do terreno; como também relatos históricos, livros, artigos”, citou. A pesquisadora contou que, então, convidou o professor e jurista Samuel Vida, para integrar essa empreitada e foi elaborado um dossiê, que foi encaminhado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no final de julho.
A autorização da Santa Casa, para início da pesquisa no local, foi concedida em março deste ano e os trabalhos de diagnóstico foram iniciados, pelos arqueólogos, no dia 14 de maio, data que marcou os 190 anos da execução dos líderes da Revolta dos Malês que podem estar enterrados nesse cemitério. O local teria sido fechado em 1844 e sumiu na paisagem urbana de Salvador.
Como acrescentou a arqueóloga Jeanne Dias, três dias depois, após fatores que dificultaram os trabalhos, como as fortes chuvas, foram identificados os primeiros vestígios que comprovam a presença dos restos mortais no terreno. Outro desafio enfrentado pela equipe, durante escavação da área, foi a presença de cerca de 2,7 metros de aterro: segundo ela, só a essa profundidade foi encontrado o primeiro indício de que as buscas estavam “no caminho certo”, e a partir de então, foi localizado muito material ósseo humano (como dentes e fragmentos de ossos largos), relacionado a esses enterros no antigo Cemitério Campo da Pólvora, atual sítio arqueológico Cemitério dos Africanos.
Como destacou Dias, os que lá estão foram “enterrados e aterrados”, o que caracteriza, segundo ela, dois processos extremamente cruéis e violentos de invisibilização: “vamos tentar trazer um pouco de dignidade para aqueles que estão lá”. Após a fase inicial de diagnóstico, segundo os especialistas, o local da escavação foi envelopado, para a sua preservação, e o material coletado durante processo de peneiramento (material extremamente frágil) será encaminhado para análise em laboratório e, em seguida, destinado aos cuidados da Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
Para a promotora de Justiça Lívia Vaz, a descoberta é um passo largo rumo à reparação de uma imensa dívida histórica com o povo negro do Brasil, mas ainda há muito o que avançar em termos de reparação da memória, da ancestralidade, da identidade e espiritualidade. “Nenhum país consegue concretizar democracia efetiva enterrando a sua história. O Brasil precisa desenterrar suas histórias, revelar essas histórias, para que a partir daí nós possamos pensar em todas as reparações possíveis”, destacou, acrescentando que a descoberta pode estar descortinando também um dos maiores bancos de DNA de pessoas escravizadas na América Latina.
A perspectiva contra colonial da pesquisa foi objeto de análise do professor Samuel Vida, que se referiu à contribuição do estudo ao localizar o sítio arqueológico e possibilitar que, a partir daí, um tratamento que não é meramente de indexar o fato, mas de trazê-lo à tona na plenitude dos sentidos que os comporta. Nesta linha, ele citou a importância do ato interreligioso no início das pesquisas e a mobilização interinstitucional em torno desta pauta.
“Essa pesquisa vai desde o melhor entendimento de como instituições seculares, ou mesmo religiosas, contribuíram para processos de indignidade na destinação dos restos mortais, nos processos de transição para a morte, até os processos de encobrimento. É muito extravagante que algo dessa magnitude, um cemitério que pode ter sepultado 100 mil pessoas, tenha ficado esquecido por mais de 200 anos. E mesmo quando lembrado nas pesquisas históricas, não se sabia o local, um local que estava diante dos olhos de todos nós, ao lado do Poder Judicial e de sua sede máxima, próximo do Ministério Público, ao lado do centro histórico tão visitado, um local utilizado, inclusive, como cerimonial para festas e eventos, quase sempre, direcionados à elite dessa cidade”, detalhou o jurista.
Como pontuou Samuel Vida, a contribuição deste estudo se dá pela identificação precisa de mais um elemento do patrimônio cultural nacional. “Deixa de ser um assunto privado, do detentor da propriedade, para ser algo que diz respeito à nação”, disse o jurista, informando que essa responsabilidade se estende a estado e município, no que tange à preservação desse patrimônio.
Ausente de representação na coletiva de imprensa, apesar do convite formal, a Santa Casa de Misericórdia foi citada pelo superintendente estadual do Iphan, Hermano Guanais, que reforçou a necessidade do diálogo. “A gente dialogou e buscou construir caminhos. Não foi um caminho fácil, claro, mas, porque toda intervenção do direito de propriedade, até hoje, causa isso, em qualquer lugar. O que nós esperamos, e eu espero confiante, é que a Santa Casa de Misericórdia, de fato, entenda que ela é detentora, hoje, de um dos espaços sagrados mais importantes da história da humanidade. E que, portanto, faça valer o seu nome de Santa Casa de Misericórdia, tendo misericórdia de quem foi ali enterrado, e que, portanto, possa nos ajudar a orquestrar uma ação de preservação cada vez mais robusta e a altura do que aquele lugar de memória traz para nós”, afirmou.
O MPBA informou ainda que irá realizar uma audiência pública, convocando todos os entes envolvidos neste tema, para definir os próximos passos interinstitucionais para defesa desse local, para a continuidade da pesquisa e para a conservação do patrimônio cultural da humanidade. “A gente já está providenciando algumas questões, junto ao proprietário, já estamos expedindo algumas solicitações com o proprietário, principalmente para salvaguardar a área que está sob pesquisa”, explicou a promotora Cristina Seixas, que esclareceu que o pedido, a princípio, é a área correspondente a quatro vagas não seja utilizada como estacionamento.
A reportagem solicitou posicionamento da Santa Casa de Misericórdia da Bahia sobre a descoberta do sítio arqueológico no estacionamento da Pupileira e demais desdobramentos do caso, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Fonte: https://www.trbn.com.br
Foto: Divulgação/Reprodução
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