"No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os maus políticos têm medo do passado."
Em Politica há pessoas tão inábeis que suas ausências preenchem lacunas...
"A baixeza mais vergonhosa é a adulação!"
De BERLIM | O 8 de maio de 1945 entrou para a história como o dia da libertação da Alemanha do regime nazista. Conhecido oficialmente como Tag der Befreiung (Dia da Libertação), a data marca a rendição incondicional das Forças Armadas alemãs e o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa.
Oitenta anos depois, no mesmo território que um dia foi ocupado por Adolf Hitler, a democracia alemã vive sua maior encruzilhada desde o pós-guerra. O fantasma do nazismo, em tese sepultado sob a palavra de ordem nie wieder (nunca mais), voltou a assombrar a política nacional. A extrema direita não apenas sobreviveu: está mais forte do que nunca – e cada vez mais próxima do poder.
O cenário que assombra a Alemanha não surgiu do nada. Em fevereiro, o país foi às urnas em meio a uma grave crise política que derrubou o governo de Olaf Scholz e a coalizão “semáforo”, composta pelo SPD (sociais-democratas), Verdes e FDP (liberais). O colapso abriu caminho para a ascensão fulminante do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que obteve 20,8% dos votos e se tornou a segunda maior força no Bundestag – maior conquista de uma legenda da extrema direita em âmbito nacional desde 1945. Em estados do leste, como Turíngia, Saxônia e Brandemburgo, o AfD saiu vitorioso ou em segundo lugar.
Na outra ponta, os conservadores da CDU/CSU venceram a eleição com 28,5% e, nesta terça-feira (6), após semanas de negociações, Friedrich Merz foi confirmado como chanceler federal. Mas a confirmação não veio sem turbulência: Merz falhou na primeira votação no parlamento – algo inédito desde o fim da Segunda Guerra – e só foi eleito na segunda rodada, evidenciando um racha interno e uma coalizão fraca já em sua concepção. O episódio foi lido por analistas como um “fiasco histórico” e sinal de uma instabilidade profunda que já mina a legitimidade do novo governo.
Mais do que um impasse parlamentar, a crise é também simbólica: o chamado Brandmauer, o cordão sanitário erguido pelos partidos democráticos para isolar a extrema direita, está cada vez mais trincado. Em janeiro, o CDU de Merz contou com votos do AfD para aprovar uma moção anti-imigração. Merz negou qualquer acordo, mas o gesto foi suficiente para romper uma tradição política forjada nas ruínas do nazismo. Até mesmo Angela Merkel, que raramente se manifesta desde que deixou o poder, quebrou o silêncio: “Considero errado permitir conscientemente, pela primeira vez, uma maioria com os votos da AfD”, escreveu a ex-chanceler, que é do CDU.
Em meio à ofensiva da direita, o AfD foi oficialmente classificado como uma organização “extremista de direita que ameaça a democracia” pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV). A decisão do órgão de inteligência interna permite, na prática, o uso de métodos de vigilância rigorosos, como escutas e infiltração de agentes. Mas o que está em jogo vai além da espionagem.
Segundo a ministra do Interior, Nancy Faeser, o AfD “discrimina cidadãos com histórico migratório” e promove uma concepção de povo “incompatível com a dignidade humana garantida pela Constituição”. A definição oficial reacendeu o debate sobre uma possível proibição legal do partido, prevista no artigo 21 da Lei Fundamental alemã para siglas que ameaçam a ordem democrática.
Ainda assim, o AfD segue operando legalmente, com assentos no parlamento e em governos estaduais. A legenda se aproveita da crise econômica, do medo da imigração e do desgaste do sistema político tradicional para crescer.
As ligações da AfD com o neonazismo são públicas, documentadas e reiteradas. A ala jovem do partido, a Junge Alternative, já foi dissolvida após ser classificada como extremista. Figuras como Björn Höcke foram denunciadas por falas e ideias que remetem ao Terceiro Reich e até mesmo slogans nazistas, como “Alles für Deutschland”, foram resgatados com variações em congressos do partido, como o grito de “Alice für Deutschland”, em apoio à ex-candidata a chanceler Alice Weidel. Maximilian Krah, eurodeputado da legenda, relativizou os crimes da SS, o que levou o AfD a ser expulso de seu bloco no Parlamento Europeu.
Em 2024, líderes do AfD participaram de uma reunião secreta em Potsdam para discutir planos de “remigração” – termo cunhado por neonazistas para defender a deportação de milhões de pessoas com histórico migratório. Alice Weidel, em seu programa de governo, defendeu, entre outras ideias perversas, o “fechamento total das fronteiras” e a “expulsão em massa” de imigrantes –medidas que, em muitos aspectos, ecoam políticas de exclusão étnica do regime nazista.
O caso alemão lança uma questão incômoda: o que acontece quando forças antidemocráticas usam a própria democracia para chegar ao poder? Essa pergunta, há 80 anos, encontrou uma resposta brutal. A ascensão de Hitler ocorreu dentro da legalidade constitucional da República de Weimar – e seu regime só foi encerrado com uma guerra global e milhões de mortos. Hoje, o AfD atua dentro das regras, mas ataca seus fundamentos: a igualdade de direitos, a dignidade humana e a pluralidade política.
Nas ruas, no entanto, a resistência também cresce. Berlim segue sendo um bastião progressista e antifascista, como demonstraram os protestos recentes e a histórica vitória do Die Linke nas urnas da capital. Manifestações antifascistas tomaram o país no início do ano ao som de Wehrt Euch, leistet Widerstand (Defendam-se, resistam ao fascismo).
Foi também do Bundestag que ecoou uma das vozes mais incisivas contra a extrema direita: a jovem deputada socialista Heidi Reichinnek, que denunciou o pacto velado entre CDU e AfD poucos dias após a homenagem às vítimas de Auschwitz. Seu discurso viralizou e levou a uma explosão de filiações ao Die Linke – mais de 81 mil em apenas uma semana.
O resultado da eleição de fevereiro e a votação parlamentar que confirmou Merz deixaram claro: o centro político está em colapso. Com a centro-esquerda fragilizada e o CDU cada vez mais aberto ao flerte com a extrema direita, o Brandmauer virou uma promessa frágil.
Oitenta anos após a queda do nazismo, a Alemanha encara o desafio de não apenas lembrar o passado, mas impedir que ele se repita. A ameaça não é mais abstrata. Está nos discursos, nas urnas, nas alianças, nos corredores do Bundestag. O fantasma nazi-fascista ronda novamente a democracia alemã – e dessa vez, não vem disfarçado. A extrema direita não apenas voltou: ela está cada vez mais perto do poder.
A pergunta agora é: quem vai impedir?
Fonte: https://revistaforum.com.br
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