Mulher trans conquista licença-maternidade em Maceió

[Mulher trans conquista licença-maternidade em Maceió]

Com a guarda para fins de adoção de Davi, de 1 ano, Will Dágansú é a primeira a conquistar o direito na capital alagoana. 

A professora Will Dágansú é a primeira mulher trans a conquistar o direito à licença-maternidade em Maceió e, possivelmente, em Alagoas. Will conseguiu a guarda para fins de adoção do Davi, que hoje tem um ano e cinco meses, pela Vara de Infância e Juventude de São Paulo. Segundo o Tribunal de Justiça de Alagoas, se o juízo de São Paulo declinar a competência para Alagoas e a 28ª Vara Cível conceder a guarda, será o primeiro caso de adoção por mulher trans no estado.

 

Will é professora da rede municipal de ensino e teve a portaria de sua licença-maternidade publicada no Diário Oficial no dia 21 de novembro. Para ela, o reconhecimento desse direito simboliza respeito à dignidade humana e representa uma luta de muitos anos.

 

“Tem um significado muito grande não somente para mim, mas para todas as pessoas trans que vierem daqui para frente a passar pelo processo de adoção. É o entendimento de que mãe é quem materna, independente de nascer ou não com o sexo biológico atribuído ao que é feminino socialmente. Não sou a primeira pessoa a passar pelo processo de adoção de forma monoparental mas, no município de Maceió, e talvez no estado de Alagoas, nós somos a primeira família composta por criança e uma mãe trans adotante, que consegue o direito mínimo, que é o de se fazer presente no tempo mínimo de 180 dias, nesse entendimento e nessa concepção de uma família que nasce”, afirmou.

 

A professora explicou que o processo de adoção é bem demorado. “Depois de algumas experiências que não evoluíram, por diversas situações, com algumas crianças aqui do nosso município, eu tive a possibilidade, através da busca ativa, de conhecer o Davi. Então, entrei em contato com a Vara em São Paulo, que é a comarca a que o processo do Davi pertence, e fui para lá em julho, para a primeira aproximação. Fiz todo o processo de aproximação, de conhecimento de quem é o Davi porque, embora ele seja um bebê, ele tem microcefalia e outras necessidades especiais. Então eu precisei também participar por algum tempo do cotidiano do Davi lá em São Paulo para conversar com a equipe médica e de terapeutas, para trazer para cá essa possibilidade de continuidade”, contou Will.

 

toda a comunidade LGBTQIA+”

 

Para o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/AL, Marcus Vasconcelos, a conquista de Will Dágansú representa um avanço para toda a comunidade LGBTQIA+.

 

“A partir do momento que temos um ordenamento jurídico, várias leis que disciplinam relações familiares e que, portanto, estamos alcançando pessoas que eram excluídas e que ainda são, infelizmente, excluídas de muitos contextos, mas que está se interpretando de forma benéfica, de forma favorável para se incluir, efetivamente, essas pessoas, é um avanço. Eu falo não só de pessoas trans, mas também de casais homoafetivos que precisam de licenças. É um avanço a partir do momento que a gente consegue enxergar uma interpretação que, efetivamente, é usada para incluir pessoas historicamente excluídas”, afirmou.

 

Vasconcelos explicou ainda que a Justiça já aplica as interpretações necessárias, não existindo nenhum tipo de óbice que impeça que mulheres e homens trans tenham acesso ao direito de licença-maternidade e paternidade, respectivamente.

 

“Já existem aplicações na Justiça para poder fazer as adequações necessárias de leis que envolvem famílias. Quando nós falamos de famílias, falamos os mais diversos modelos de famílias existentes e, portanto, a Justiça já aplica as interpretações necessárias. Então, todas as instituições públicas e privadas podem fazer essas adaptações, uma vez que não há nenhum tipo de prejuízo para o coletivo. Não estamos falando de pessoas que querem se beneficiar, estamos falando de pessoas que vivem vidas como todas as outras e que possuem direitos e garantias. Não estamos falando de benefícios no sentido de privilégio, mas de benefício de direito, de garantia de dignidade da pessoa humana, que a nossa Constituição Federal já assegura e que todos nós estamos incluídos”, disse.

 

Segundo o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/AL, a realidade das pessoas trans no Brasil ainda é muito difícil. “Conheci a Will no início do ano e acompanhei as diversas dificuldades e obstáculos enfrentados por ela. Infelizmente, é muito triste ainda a realidade das pessoas trans, com relação ao nosso ordenamento jurídico e a efetivação desses direitos. Fico muito feliz com essas interpretações que são inclusivas utilizadas por órgãos públicos e empresas privadas. É muito mais do que necessário que se adote essa postura para que a gente possa avançar e colocar em xeque toda a discriminação que existe e repreendê-la efetivamente”, afirmou.

 

A secretária de Estado da Mulher e Direitos Humanos de Alagoas, Maria José da Silva, também vê a vitória de Will como um avanço e um modelo a ser seguido, representando um grande marco para a comunidade LGBTQIA+.

 

“A concessão da Licença-Maternidade é um direito trabalhista e, portanto, deve ser assegurado para todas, todos e todes. Nesse caso, em especial, é perceptível o avanço em prol dos direitos humanos nas questões de gênero, mesmo que ainda existam muitos desafios no caminho para superação da realidade atual do nosso país. Sabemos do preconceito e da discriminação, da violência constante, e por isso realizamos escutas e acompanhamento das violações desses direitos dentro da Semudh”, disse.

Foto: Arquivo pessoal

Fonte: www.tribunahoje.com